A mente religiosa não é a mente cristã, hinduísta ou budista, ou pertencente a alguma seita extravagante ou sociedade com fantásticas crenças e ideias; a mente religiosa é aquela que, tendo percebido interiormente sua própria validade, a verdade de suas percepções, sem desfiguração, é capaz de resolver lógica, racional e sã os problemas que surgem, não permitindo que nenhum deles crie raízes. Desde que deixamos um problema lançar raízes na mente, existe conflito; e onde há conflito, está presente o “processo” de deterioração, não só exteriormente, no mundo objectivo, mas também interiormente, no mundo das ideias, dos sentimentos, das afeições.
Que pode, então, fazer a mente religiosa? Provavelmente muito pouco. Porque o mundo, a sociedade é constituído de indivíduos ambiciosos, ávidos, “aquisitivos”, facilmente influenciáveis e que desejam pertencer a alguma coisa, crer em alguma coisa, filiando-se a certas correntes de pensamento e padrões de acção. Essas pessoas não podem ser modificadas senão pela influência, a propaganda, o oferecimento de novas formas de condicionamento. Mas a mente religiosa diz-lhes que se despojem, interiormente, de tudo. Porque é só em liberdade que se pode descobrir o que é verdadeiro a Verdade, Deus. A mente que crê nunca descobrirá o que é verdadeiro ou se existe Deus; só a mente livre pode descobri-lo. E para sermos livres, temos de penetrar todas as servidões que a mente a si mesma impôs. Isto é dificílimo, pois requer muita penetração, exterior e interiormente.
Quase todos, sabemo-lo, andamos às voltas com o sofrimento. Sofremos de uma ou de outra maneira, física, intelectual, ou interiormente. Somos torturados e nos torturamos a nós mesmos. Conhecemos o desespero, e a esperança, e o medo sob todos os seus aspectos; e nesse vórtice de conflito e contradições, preenchimentos e frustrações, ciúmes e ódio, debate-se a mente. Aprisionada que está, sofre, e todos sabemos que sofrimentos são estes: o sofrimento ocasionado pela morte, o sofrimento da mente insensível, o sofrimento da mente muito racional e intelectual, que conhece o desespero, porque reduziu tudo a pedaços e nada mais lhe resta. A mente sofredora faz nascer várias filosofias do desespero; busca refúgio através de numerosas vias de esperança, confiança, conforto, através do patriotismo, da política, das argumentações verbais, das opiniões. E para a mente sofredora existe sempre uma igreja, uma religião organizada pronta a acolhê-la e torná-la mais embotada ainda, com suas promessas de consolo.
Krishnamurti